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No alvorecer de cada manhã, centenas de trabalhadores cruzam Parintins até a Baixa do São José rumo à Cidade do Garantido. O mês é junho, o tempo urge e o Festival de Parintins é bem ali, enfim. Não qualquer Festival. “O maior festival de todos os tempos – no mais curto espaço de tempo de todos os tempos”. Imperioso e tempestivo. É esse nesse ritmo, se agarrando a cada segundo como se fosse o último, que as equipes de trabalho artístico tocam os preparativos para apresentação do tema “Amazônia do Povo Vermelho” nas três noites na Arena este ano.
Não que não seja endêmico no meio artístico de Parintins a excelência e agilidade no desenvolvimento dos mais majestosos trabalhos. Mas o desafio imposto este ano entra para a história como recorde de tempo para preparação para o Festival. Pela incerteza do cenário mediante à pandemia de Covid-19, vindos de dois anos sem festival, os Bumbás receberam apenas em março a confirmação da edição deste ano. São cerca de três meses a menos de preparação costumeira.
Como bem descreve o membro da Direção Geral de Espetáculo (DGE), jornalista e compositor Mencius Melo, “Não é que o Garantido está atrasado. O mundo inteiro está atrasado dois anos”.
“Pegamos o anúncio de festival às portas de um carnaval que aconteceu em abril. O festival é o ganha pão dessa cidade inteira e o difusor da cultura amazônica do Boi Bumbá – e isso é uma atração turística que rende dividendos para o Estado – e o artista parintinense tem nesse festival a razão para sua existência, tanto estética quanto econômica. Fazer esse festival acontecer é um desafio que só os artistas de Parintins podem realizar. Estamos lidando escassez de material e lidando com nosso maior inimigo: o tempo. Nós temos 20 dias para concluir esse espetáculo que é, praticamente, uma escola de samba por noite. Mas o povo da Baixa é acostumado com esse tipo de cenário. A gente faz a criatividade valer”, assegura com tranquilidade.
Tranquilidade essa, que transparece na fala de Mencius ao divagar, com gosto na fala, sobre o tema do Boi da Baixa para este ano. O mergulho profundo na ambivalência do homem na sua relação com a floresta e seu paradoxo, a rusga política dos povos vermelhos e a bandeira de uma Amazônia-Abrigo para tantos são motes de um espetáculo que deve trazer elementos políticos – à lá Garantido – nas três noites na Arena.
“Vamos falar da Amazônia idílica, Amazônia verde. Mas vamos falar da Amazônia real, das Amazônias que existem dentro dela. E não é só uma. É uma amálgama de povos, de culturas, de identidades. Ela serve de abrigo, não só para um grande ecossistema. Ela abriga mais que isso. Abriga a maior criação divina que é o homem. Esse que é, ao mesmo tempo, o aliado e o algoz da Amazônia. Daquele homem que defende a floresta, ela em pé, gerando riquezas, e daquele homem que agride a floresta. É uma luta que se instalou a partir da presença do homem de mercado. Do lucro. O Garantido apresenta uma proposta que abraça o contexto da política, mas que não vai deixar de brincar. É preciso ser encantador até para criticar a dor”, esboça Mencius.
Um novo elemento que se soma à cênica do Garantido este ano para potencializar e dar vida a essa magia é a implementação da harmonização de um círculo cromático e uma nova paletagem de cores. Para além, o membro da DGE responsável por alegorias e também coordenador de Arena, Ito Teixeira, revela que o Garantido pretende diminuir a quantidade de “ferro”em campo.
“O festival veio sempre muito focado em ferro, precisamos modificar. Se você prestar atenção, o festival é canto e dança, alegria. O ferro veio crescendo com o tempo. Isso a gente quer tirar. A gente quer fazer mais espetáculo, mais show. Apresentar mais cênica. Que o público possa perceber a parte cênica, que vem se perdendo. Essa é uma direção. As outras direções, são estritamente segredo. Queremos criar dúvidas, expectativas. Existe uma foto rolando aí na internet… É, não é… Vamos deixar a galera pensativa…”, diz aos risos, sem se estender.
Neste período, o galpão na famosa Cidade do Garantido funciona a todos os vapores, mas o clima é de total segredo, como Ito bem disse. Cada detalhe, cada cabeça de alegoria no chão, é parte de um enigma que, hora ou outra, vem somado de um “não vai tirar foto, hein”. Todo cuidado é pouco para não deixar vazar os preparativos para o espetáculo que, apesar de “entalado” na garganta há dois anos, só sai do papel agora.
“É um festival atípico, que gera muita expectativa pelo retorno do festival, de ser um ano que todo mundo tava aguardando. Ao mesmo tempo que estava “entalado”, havia a duvida se iria ter. Entra em junho, parece que o coração dispara. Quando entra em junho, a gente solta o freio de mão”, revela Ito, ao mencionar os gastos e correria nos preparativos na reta final.
Nesse ritmo, dentro do – já estabelecido – mais curto espaço de tempo pré-festivais, hoje mais de 280 trabalhadores e artistas trabalham sem parar na Cidade do Garantido para assegurar que dia 24 apenas o melhor dos espetáculos atravesse os portões do Bumbódromo. O número de funcionários, segundo Teixeira, é o maior do que o habitual.
“Existe um escalonamento de pessoas. A gente começa com 150 no primeiro mês. Em maio aumenta para uma demanda aí de uns 10% a 20%. Depois, no final, o galpão fica em torno de umas 250 pessoas envolvidas diretamente. Hoje já tem uma faixa de 280 pessoas trabalhando”.
Para o aumento, ele justifica com uma palavra: ansiedade. Ansiedade, essa que, no fim, conclui brincando: leva à perfeição pelo excesso de cautela com tanto trabalho. “Somos assim. O Boi foi construído em cima das raízes do Garantido. Somos o povo da floresta. Somos o povo vermelho, da Baixa, Perreché. E vamos nessa direção”.
Fonte: Acritica.com
Foto: Arlesson Sicsú
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