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Iniciativa conjunta da OPIJU e da Defensoria Pública aponta falhas na investigação e pede que caso seja remetido à Justiça Federal
A Organização dos Povos Indígenas do Juruá (OPIJU), em parceria com a Defensoria Pública do Estado do Amazonas, protocolou pedidos de desarquivamento da investigação sobre a morte do indígena Tadeo Kulina, assassinado em Manaus em 2024.
A medida busca corrigir falhas no processo investigativo e garantir que o caso seja analisado pela Justiça Federal, considerando a gravidade e o contexto de violência estrutural enfrentado por povos indígenas de recente contato.
O caso Tadeo Kulina
A denúncia se refere ao espancamento até a morte do indígena Tadeo Madiha Kulina, encontrado pelos parentes indígenas no Instituto Médico Legal (IML), dias depois do seu desaparecimento anunciado no dia 14 de fevereiro do ano passado em um grupo de WhatsApp.
Tadeo veio a Manaus acompanhando sua esposa grávida, encaminhada para ganhar o bebê na Maternidade Ana Braga, localizada no bairro São José, Zona Leste de Manaus. O casal Kulina é do município de Envira, região sudoeste do Amazonas, e morava na aldeia Foz do Akurawá, Terra Indígena do Médio Rio Juruá. Nenhum dos dois conhecia a cidade de Manaus e não falavam nem entendiam português.
O caso ganhou destaque nacional e chegou a virar tema do podcast “Dois Mundos”, produzido pela Folha de S. Paulo, que trouxe novos elementos e levantou indícios de negligência e até de possível envolvimento de policiais militares na morte do indígena.
Por que o pedido de desarquivamento
Em entrevista à reportagem de A CRÍTICA, o advogado indígena Maurício Terena, representante da OPIJU, informou que a iniciativa nasceu de um diálogo com lideranças locais e da constatação de falhas graves no inquérito.
“A iniciativa surge a partir de conversas com a Organização Indígena OPIJU, que participou ativamente da produção do podcast Dois Mundos. Quando conversei com Marlene Kulina, liderança coordenadora da organização, percebi que existiam diversos problemas relacionados à investigação. (…) Além disso, pedimos que a investigação vá para a Justiça Federal, por existir uma violência estrutural contra os povos indígenas.”
Para Terena, não se trata apenas de uma revisão processual, mas de um passo necessário para que a Justiça brasileira trate com seriedade crimes envolvendo indígenas em situação de vulnerabilidade.
Um caso que simboliza a luta dos povos indígenas
O advogado explica que o assassinato de Tadeo não pode ser visto como um episódio isolado, mas como reflexo de uma omissão sistemática do Estado.
“Esse caso é emblemático para o movimento indígena porque revela as entranhas do Estado no que diz respeito à assistência a povos indígenas isolados e de recente contato. Esse caso não é mais só sobre Tadeu. É sobre todos os indígenas Kulina Madihá, que ainda residem no Amazonas.”
Ele relembra que há suspeitas de envolvimento de policiais militares no crime, o que motivou a abertura de um processo na corregedoria da corporação. Para o movimento indígena, a falta de transparência e de respostas adequadas reforça a sensação de racismo estrutural e de descaso com os povos originários no Estado com maior diversidade indígena do país.
Falhas na investigação inicial
O pedido de desarquivamento aponta contradições e lacunas deixadas pela investigação conduzida na esfera estadual. Entre elas, a ausência de diligências periciais fundamentais para esclarecer se a versão de uma queda sustentava as lesões encontradas no corpo de Tadeo.
“Existem falhas que comprometem esse arquivamento. Cito, por exemplo, a diligência do lava-jato, onde Tadeu teria caído de sete metros. Essa queda explicaria lesões como traumatismo craniano e rompimento de órgãos? Essa análise não foi feita. Além disso, em momento nenhum a família foi informada do arquivamento, o que é obrigatório por lei.”
O podcast Dois Mundos, que investigou o caso, também foi citado como fonte importante para reunir novas provas e evidências de inconsistências no inquérito.
A atuação da OPIJU
O protagonismo das organizações indígenas também é ressaltado no processo. Para Terena, a OPIJU desempenhou papel fundamental na coleta de informações e na visibilidade do caso.
“Nos autos, em momento nenhum a pauta indígena foi colocada como central. Não se preocupou com a dificuldade de compreensão do português por parte dos povos de recente contato. (…) A Defensoria pede o desarquivamento, mas os povos indígenas pedem também que a investigação vá para a Justiça Federal, porque não é um caso isolado. A morte de Tadeo é fruto de uma omissão sistemática do Estado brasileiro”, acrescentou Terena.
Um arquivamento considerado frágil
Para Terena, a decisão de arquivar a investigação foi precipitada e sem sustentação técnica.
“É um arquivamento muito frágil tecnicamente. Existem diligências não cumpridas, procedimentos formais ignorados e lacunas de análise pericial. A gente avalia que não tem outra opção a não ser o desarquivamento. Até agora, a investigação não se sustenta. O podcast deixou as provas em evidência para todos, e ao analisar os autos, percebemos diversas lacunas deixadas durante o processo”, destacou.
Próximos passos e expectativas
O movimento agora busca sensibilizar o Ministério Público e o Judiciário para que o caso seja reaberto e remetido à Justiça Federal.
“Os próximos passos jurídicos são sensibilizar o Ministério Público Estadual e o juiz para que o pedido seja aceito e que a competência vá para a Justiça Federal. Politicamente, o movimento indígena local faz articulações para evidenciar a pauta dos povos indígenas de recente contato, que precisam ir às cidades e ter a garantia de que não terão direitos violados”, concluiu o advogado.
Fonte: A Crítica
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