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Quem já viu alguma apresentação de Ney Matogrosso e tem a imaginação um pouco fértil pode pensar que ao encontrá-lo fora daquele ambiente, vai se deparar com a figura sedutora do palco, serpenteante, maquiada e com uma vivacidade invejável. Parte disso, evidentemente, não existe na vida real, mas o principal (e mais legal) está ali: um homem que nem de longe aparenta os 80 anos bem vividos que tem, que mantém a cabeça aberta e que não abre mão de uma conversa olho no olho.
Nos dias de hoje com tantas celebridades criando barreiras para a imprensa, ouvir de um dos maiores artistas brasileiros — que canta dança, atua, já foi hippie, não teve medo de viver a própria sexualidade e de enfrentar opressão e preconceito deslizando, requebrando e soltando o vozeirão — que o desejo dele é “conversar pessoalmente, porque gosta, prefere e prioriza a verdade e nunca teve medo de nada”, é raro. O Gshow não perdeu a chance de falar com este artista plural com exclusividade, assim como de obter registros inéditos desse encontro fotografado por Trumpas.
Aos 80 anos, Ney Matogrosso fala abertamente sobre vida profissional e pessoal — Foto: Trumpas/Gshow
Gshow: Muitos te veem como um símbolo sexual e também como alguém sedutor. Como você lida com esse charme, que te torna uma pessoa inegavelmente magnética?
Ney: Estou no palco para ser olhado. As pessoas saíram da casa dela, pagaram ingresso para me ver, então elas vão me assistir na melhor maneira que eu puder mostrar. No dia a dia não faço questão alguma de ser notado, prefiro observar do que ser observado. Não necessito daquilo, nem saberia carregar esse personagem, seria muito difícil, porque não sou daquele jeito. Aquilo é uma manifestação artística completamente livre, mas não sou aquele, não está na minha vida, e nem aparece nos meus relacionamentos.
Gshow: Já sentiu que alguém se relacionou com você esperando o Ney do palco?
Ney: Sim, mas eu percebo. Quando é isso, já digo logo: “Não vai ter, porque não sou um personagem”. Aquele lá não existe. E tem gente que queria ficar comigo, depois que o show acabasse, eu suado e disse: “Jamais você vai ter. Nunca. Impossível” (risos).
Gshow: Nos anos 1970, quando você começou a fazer as performances com os Secos e Molhados, criou todo uma forma de se vestir e também gestual únicas, o que soava desafiador no contexto conservador de um regime ditatorial. Naquela época, você tinha clareza do que tudo isso representava?
Ney: Sim, sempre lutei contra certas coisas. Tinha consciência disso, mas nunca tive medo. Naquela época, como você sabe, jogavam gente viva de avião, né?
Ney Matogrosso não teme a finitude da vida — Foto: Trumpas/Gshow
Gshow: Já sofreu algum tipo de agressão física baseada em opressão e preconceito?
Ney: Só uma vez em um curso, em São Paulo, nos anos 1970. Cheguei lá para cantar e me xingaram, virei de costas e comecei a requebrar. Um rapaz veio e cuspiu em mim, e eu revidei. Ele disse que subiria no palco e quebraria minha cara. Eu estava com uma queixada de burro na minha mão que usava na apresentação e disse: “Sobe, que eu racho seu crânio”. Claro que não subiu, mas se tivesse me enfrentado, teria tomado uma ossada na cabeça.
Gshow: Vivemos em um país homofóbico e machista ainda hoje, como foi e é lidar com os haters?
Ney: Nunca me guiei, nem deixei levar, por esse tipo de mentalidade. Sempre fui independente: sou assim, vocês têm que me respeitar. Sou dessa maneira e pronto. Não estou pedindo licença a ninguém para existir. Podem não gostar de mim, mas exijo que me respeitem.
Gshow: Você sempre teve essa postura?
Ney: Sempre fui assim, desde quando comecei. Na primeira entrevista que concedi, os jornalistas me perguntaram sobre sexo e respondi tudo. Quando fui ler o conteúdo, estava “sobre o amor”. Aí eu disse: “Não falei sobre amor, falei sobre sexo, fui muito explícito”. Já quando fui a uma estação de rádio pela primeira vez [nos anos 1970], começaram a perguntar sobre a minha sexualidade e falei claramente. Na segunda rádio, já tinha um aviso do Governo, que eles seriam responsabilizados por tudo que eu falasse. Era assim, vivemos isso.
Ney Matogrosso relembra histórias de sua trajetória pessoal e profissional — Foto: Trumpas/Gshow
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