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“Solicito atender”.
Assim, assertivo e por escrito, o então chefe da Receita Federal no Brasil, Julio Cesar Vieira Gomes, deu a ordem para que a Superintendência da Receita em São Paulo passasse por cima de protocolos oficiais e entregasse, para um militar enviado às pressas pelo gabinete pessoal do então presidente Jair Bolsonaro (PL), as joias retidas com a comitiva presidencial que voltava da Arábia Saudita em outubro de 2021.
Tudo isso no apagar das luzes de 2022, fim da gestão Bolsonaro.
A determinação, sem rodeios e pelo e-mail oficial do órgão, faz parte de uma frenética troca de mensagens entre diversas autoridades brasileiras e envolve diretamente o gabinete pessoal do ex-presidente.
Essa cartada final de esforços para tirar as joias dos cofres da Receita no Aeroporto Internacional de Guarulhos começa com um ofício assinado pelo braço-direito de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens do então chefe do Executivo.
Na hora do almoço de 28 de dezembro, na última quarta-feira da última semana da gestão passada, Cid assina uma correspondência direcionada ao comandante da Receita, o auditor Júlio Gomes.
No entorno de Bolsonaro, a versão de assessores ouvidos pelo blog é de que o ofício teria sido combinado previamente com Gomes, que estava em contato direto com Bolsonaro nos últimos dias de dezembro exatamente para discutirem o resgate das joias que estavam no aeroporto.
Aliados de Bolsonaro disseram ao blog que o então presidente, ao ser alertado pelo chefe da Receita de que era preciso resgatar o que ainda estava em Guarulhos, “ficou pilhado” pois, nas palavras de um ex-assessor da cozinha do Planalto, não queria “deixar nada para a gestão Lula” – o que não faz sentido, já que, se as joias fossem para União (uma das versões apresentadas por bolsonaristas para minimizar o escândalo), seriam patrimônio do Estado e não de um presidente A ou B.
Foi depois dessa costura, segundo esses assessores, que Cid fez o ofício enviado à Receita.
O ofício do gabinete pessoal do presidente
No topo do ofício, estão o brasão da República e os dizeres: gabinete pessoal do presidente da República.
Na mensagem, o ajudante de ordens pede a “incorporação dos bens abaixo descritos a este órgão da União”, sem explicar claramente quem seria o destinatário final dos presentes.
Mas essa imprecisão pouco importaria ali: Cid não teria sequer atribuição legal de fazer o pedido, que caberia ao gabinete de Documentação Histórica, avaliam técnicos da Receita.
O documento, ainda hoje classificado como inábil e irregular, seguiu seu caminho pelo alto escalão do governo Bolsonaro.
O texto terminava com um aviso claro: “autorizo que os bens sejam retirados pelo representante Jairo Moreira da Silva”, primeiro-tenente da Marinha que, no dia seguinte (29 de outubro), embarcou em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para cumprir a missão.
O e-mail do chefe da Receita
O ofício virou um anexo em um e-email enviado por um assessor do coronel Cid, o tenente Cleiton Henrique Holszchuk. O destinatário: o chefe da Receita Federal no Brasil, o auditor Julio Gomes.
O efeito foi imediato. Cerca de uma hora depois, Gomes, comandante da Receita, já dava ordens para seu subordinado, o então superintendente do órgão em São Paulo José Roberto Mazarin.
Julio diz: “Boa Tarde, Mazarin. Solicito Atender. Peço também encaminhar ao delegado ALF (alfândega) Guarulhos. Abraços”
Fontes ouvidas afirmam que o e-mail é, até agora, a principal digital deixada pelo então secretário da Receita no episódio. E, de tão excêntrica, parece ter chamado a atenção da equipe da Receita envolvida na ocasião em São Paulo.
A resistência dos servidores da Receita
Da leitura das mensagens, pode-se entender que os servidores do órgão em São Paulo identificaram a movimentação estranha e iniciaram, então, um longo debate por escrito sobre as regras de um trabalho como aquele. Na prática, ganharam tempo, talvez para avaliar se, com a virada de governo, tamanho interesse repentino pelo patrimônio da União seguiria firme.
No eixo da discussão – que envolveu servidores como o delegado da Alfândega do Aeroporto de Guarulhos, Mario de Marco – estava a confecção do documento chamado Ato de Destinação de Mercadoria (ADM), que serve para registrar a transferência de um bem como aquele de certa origem para outro destino.
Gomes, o chefe da Receita, queria avocar para ele a assinatura do ato. Mas os servidores de São Paulo argumentavam que seria necessário um trâmite para isso ser feito. Com um empecilho: naquela semana, a pessoa mais preparada para realizar todo o procedimento estava longe dali, no aeroporto de Viracopos, em Campinas (SP).
As discussões foram tão longas, com tantas fundamentações teóricas e práticas, que se estenderam até o dia seguinte.
Mesmo com a chegada do avião da FAB e de tentativas frustradas e novas pressões de Gomes – que, por telefone, tentou falar com o servidor da Receita no aeroporto, mas não conseguiu -, o nó não foi desfeito. Até o último dia útil da gestão Bolsonaro as conversas seguiram sem desfecho.
Para quem está começando a investigar o caso, a dificuldade para liberar as joias mostra duas coisas importantes.
A primeira é que tanto o braço direito de Bolsonaro como o chefe da Receita agiram sem estarem calçados no que faziam – a prova é que não havia amparo legal e documental para tirar os presentes dos cofres da Receita, onde seguem guardados.
A segunda é que a burocracia, e o faro dos servidores de São Paulo, foram determinantes para impedir que as joias fossem parar irregularmente no gabinete pessoal do agora ex-presidente.
*G1
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