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A cegueira cinza causada pela fumaça das queimadas

Foto: BNC Amazonas

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A fumaça e a seca têm sido problemas enfrentados cotidianamente, como relata moradora de Humaitá, no Sul do Amazonas

Pedi a uma moradora de Humaitá, um dos municípios mais afetados com as queimadas e com a seca no rio Madeira, que nos relatasse suas percepções cotidianas sobre essa realidade.

Mali (nome fictício), 42 anos, professora, nos conta como está sendo viver sob densa fumaça desde a segunda quinzena do mês de agosto.

“A cidade está com muita fumaça. Toda a população está imersa nela, aonde quer que você vá, tem fumaça, em todos os ambientes. As escolas tiveram que parar suas aulas porque as crianças passavam mal.

Na virada de agosto para setembro, eu percebi que muita gente estava andando de máscara, muita gente mesmo, muita gente tossindo.

Estava sufocante fumaça somada às altas temperaturas nesses dias. E, ainda por cima, ter que andar de máscara.

Com a ausência das aulas, a cidade ficou um pouco mais quieta. Mesmo com o barulho das propagandas políticas, a cidade se aquietou.

Tinha a impressão de que as pessoas só estavam se deslocando por uma extrema necessidade.

Pela manhã é muito ruim, pela tarde é pior ainda. Dependendo da localização onde você está, essa situação até piora. Se a sua casa está mais próxima da estrada ou dos igarapés, que é o meu caso, a fumaceira é bem pior”.

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A cegueira cinza
No livro “Ensaio sobre a cegueira”, do escritor José Saramago, as pessoas sofrem de uma cegueira que os faz enxergar tudo branco.

Essa é a metáfora que o autor utiliza para criticar o egoísmo, a covardia, a imparcialidade e outros sentimentos que cegam, moralmente, o ser humano.

As impressões de Mali sobre como a maioria dos moradores de Humaitá encaram a vida sob a fumaça, nos leva a pensar em analogia à crítica de José Saramago.

No caso da fumaça das queimadas que tomou conta do Brasil neste momento, a cegueira que nos acomete é cinza.

“A fumaça tem tomado conta da vida de todo mundo, mas eu observo que muitas pessoas tentam normalizar não conseguir respirar, a andar um pouco de bicicleta e ficar cansado. E não admitem que isso é por culpa desse ar que, quando não está ruim, está péssimo.

Mas, todos sentem os efeitos da fumaça na saúde. Percebo que muitos jovens e idosos ao meu redor têm sido diagnosticados com pneumonia. E, mesmo assim, as pessoas não relacionam esses problemas com a fumaça.

Me lembra muito a época da covid-19, pois muitos negavam a sua gravidade e, alguns, até a própria existência do vírus, mesmo com os altos números de mortes.

Contudo, o vírus é invisível, a fumaça, não; basta olhar para o céu, ele fica cinza por vários dias.

Não está normal, não está normal mesmo! A mudança climática é uma realidade.

Aqui, a gente está enfrentando as duas situações: a fumaça das queimadas e a seca.

A seca não está sendo vista por conta da fumaça. Mas o rio está muito seco, está cheio de praias em frente a cidade.

E não existe uma discussão do porquê estar acontecendo, aonde vamos parar, o que fazer para evitar que isso continue acontecendo”.


“Nos piores dias, o ar tem cheiro de fuligem. Você vai até a orla da cidade ver o rio, mas não enxerga. Faz muito tempo que o rio sumiu, a gente só vê o cinza da fumaça.

Quando acordo e vejo o céu cinzento, sinto saudade de ver o céu azul. Os dias têm sido tristes. Sinto saudade de ver o rio, de ver o verde.

Toda essa situação mexe com a cabeça da gente, pelo menos com a minha. O ambiente todo cinza é muito triste para mim.

Sinto saudade de ver o céu azul, de ver o sol amarelo, de ver o verde das árvores, de ver rio barrento, de ir na orla e pegar aquele ventinho gostoso. Eu sinto falta disso. Tenho sentido falta de ver as cores, é isso!”

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