Curta nossa Página no Facebook
“Tem suco de uva?”. A pergunta feita no caixa de um bar de São Paulo é, na verdade, um pedido de socorro. É um código criado para que frequentadoras da casa, na Consolação, sinalizem a funcionários se forem vítimas de assédio ou violência sexual e peçam ajuda. O combate a esses crimes por bares, restaurantes e boates de São Paulo passou a ser obrigatório por uma lei sancionada recentemente pelo prefeito Ricardo Nunes, em meio a um aumento da violência contra mulheres no estado — o primeiro trimestre registrou recorde de feminicídios e estupros.
No Drosophyla Bar, que usa a palavra-chave “suco de uva” como alerta, cartazes foram afixados no banheiro feminino para orientar as clientes sobre a estratégia e ainda sobre como agir se forem agredidas sexualmente ou se sentirem que podem ser vítimas. E as funcionárias — o staff é majoritariamente feminino — foram treinadas para identificar e atuar em situações que vão além do flerte comum.
— Bar é o lugar em que as pessoas marcam de ir, de se encontrar, precisamos também estar ligados nisso. Num momento em que as coisas andam tão violentas, são importantes essas ações para que as mulheres se sintam seguras e para que as pessoas não ataquem, sabendo que serão punidas — diz Lilian Varella, do Drosophyla Bar. — Só não se adapta quem não quer.
A nova lei municipal prevê a criação de uma série de medidas contra esses crimes, além de protocolos de acolhimento às vítimas. Ela se une a outra, estadual e sancionada em fevereiro, que amplia a responsabilidade dos estabelecimentos na identificação e inibição dessas situações de violência.
Segurança até a saída
Gerente do Bar dos Arcos, João Salustiano expulsou cliente de estabelecimento após garçonete perceber desconforto de mulher que o acompanhava — Foto: Edílson Dantas
O treinamento das equipes é previsto pela legislação e passa pela capacitação para identificar, atender e acolher as mulheres. Os funcionários têm que estar preparados para, inclusive, conduzi-las a um transporte se necessário para que possam sair em segurança.
Gerente do Bar dos Arcos, no centro da capital paulista, João Salustiano já interveio em episódios de agressão.
— A garçonete estava atendendo uma mesa com um casal e sentiu que a mulher estava incomodada com a agressividade na fala do homem que a acompanhava. Na hora em que ele foi ao banheiro, a funcionária se aproximou para saber se a mulher precisava de algo — conta o gerente, acrescentando que a cliente no final contou com ajuda. — Ela agradeceu, mas depois deve ter pedido para ele se acalmar, e ele foi extremamente agressivo, começou a gritar. Nós o convidamos a se retirar do bar. Acolhemos a mulher e, depois que ele saiu, chamamos um transporte para que ela pudesse ir embora em segurança.
Nos fins de semana, com a casa mais cheia, a equipe fica mais atenta para identificar quando há desrespeito ao “não é não”.
— A capacitação passa por reforçar como podemos ler os sinais da mesa, entender via troca de olhares, pelo modo de falar. Também costumamos usar essas janelas em que a mulher está sozinha para nos aproximarmos, ou acompanhá-la até o banheiro, perguntar se está tudo bem — explica Salustiano. — A abordagem é de tentar ler o ambiente da maneira mais sutil possível, sem expor a mulher, mas também sem passar pano se algo estiver acontecendo.
Diversão em paz
Dependendo da situação, os funcionários se oferecem para acompanhar as vítimas à delegacia. Cerca de 70% do público do Bar dos Arcos é feminino, conta o empresário Facundo Guerra. Lá, além de observar os “dates”, há regras claras entre funcionários de não passar bilhetinhos entre mesas nem servir drinques oferecidos por homens a mulheres em outra mesa, sem consentimento.
* Estagiária sob a supervisão de Elisa Martins
— Iniciativas assim são boas também para o negócio, porque as mulheres se sentem mais seguras para consumir — diz Guerra.
Para o presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes em São Paulo (Abrasel-SP), Percival Maricato, a legislação ajuda a atrair clientela, que se sente mais protegida no momento de diversão. Embora esse cuidado já fosse uma “obrigação moral” dos estabelecimentos, conforme o Código do Consumidor.
A lei reforça uma obrigação que já deveria ser inerente. Temos feito palestras e explicado às pessoas quando intervir e como ter mais atenção. Não é só servir e atender bem a cliente, mas ver também se está sendo perturbada — diz ele.
As leis se inserem em um contexto violento. Nos três primeiros meses deste ano, foram 3.551 casos de estupro no estado (aumento de 15,8% na comparação com o primeiro trimestre de 2022), o maior número para o período desde 1996. Dados da Secretaria de Segurança Pública do estado de São Paulo também mostram uma alta de 24% no período de casos de feminicídio, que chegaram a 62 este ano.
O desafio é garantir que a ampliação da responsabilidade chegue a todos os estabelecimentos: só na capital, existem mais de 60 mil bares, restaurantes, lanchonetes e casas noturnas.
A lei prevê punições administrativas em caso de descumprimento, e até fechamento de portas. Mas a fiscalização não é simples. A delegada Raquel Gallinati, diretora da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil, ressalta que os estabelecimentos não podem ser omissos:
As casas podem ajudar na responsabilização de um crime sexual, seja fornecendo imagens, como testemunhas, acolhendo a vítima e facilitando um pedido de ajuda ou uma denúncia. Agilidade faz toda a diferença.
Foto: Edílson Dantas
*O Globo
Curta nossa Página no Facebook