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A proporção dos testes de Covid-19 com resultado positivo voltou a crescer no país, acendendo o alerta dos médicos. Levantamento feito pelo GLOBO com laboratórios e farmácias do Brasil mostra que a alta durante o mês de outubro chega a até 274%. O aumento acontece ao mesmo tempo em que cresce a busca pelos diagnósticos e que novas subvariantes da Ômicron se disseminam pelo mundo, com uma delas, a BQ.1, tendo sido identificada no Brasil.
Embora a chamada positividade seja apenas um dos indicadores da doença, e os demais como casos e óbitos sigam em estabilidade, especialistas destacam com receio o contexto da baixa cobertura vacinal com a terceira dose, que está em cerca de 50% no país, no momento em que o vírus volta a circular de forma mais intensa, apesar da disponibilidade nos postos de saúde.
Nos laboratórios da rede de saúde integrada Dasa, o aumento na taxa de positivos para Covid-19 foi de 274% entre a segunda e a última semana de outubro, passando de 5,64% para 21,14%. No mesmo período, também foi identificado uma procura pelos testes 32% maior. Nas unidades do grupo Fleury, a taxa passou de 12% para 30% no mesmo período, um aumento de 150%. Já a busca pelo diagnóstico dobrou.
Já dados da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma) mostram que, entre a primeira e a terceira semana de outubro, foi registrado um aumento de 150% na positividade nas unidades, passando de 6% para 15%. A quantidade de testes feitos, porém, segue baixa. Foram pouco mais de 40 mil diagnósticos até o fim de outubro, enquanto em junho chegou a mais de um milhão.
Epidemiologistas, virologistas e infectologistas ouvidos pelo GLOBO recebem com cautela os dados e admitem que pode haver um aumento de infecções, mas reforçam que uma eventual nova onda não deve ser acompanhada por aumentos alarmantes em internações e mortes.
— A Covid-19 hoje no Brasil é uma doença que atinge principalmente pessoas não vacinadas, com o sistema de defesa comprometidos e extremos de idade, acima de 70 anos. É uma doença que tem impacto, é a infecção respiratória que mais mata pessoas no país, mas em termos de sobrecarga no SUS, com falta de leito, de oxigênio, isso não acontece é mais — afirma o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Alexandre Naime Barbosa, professor da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp).
Uma das maiores preocupações, porém, é justamente a baixa cobertura vacinal com as três doses. Segundo dados do consórcio de veículos de imprensa, apenas 49% da população tem a proteção completa – quase 80 milhões de brasileiros a menos que aqueles que receberam a primeira aplicação, aproximadamente 85% do total.
O alerta é porque, com a variante Ômicron e suas sublinhagens, os especialistas explicam que duas aplicações não conferem proteção suficiente contra casos graves da doença, por isso a terceira é indispensável – e também a quarta nos casos elegíveis. Em outros países, como Reino Unido e Chile, a cobertura com o reforço ultrapassa 70%.
— Acredito que deveríamos aproveitar justamente esse período em que o patamar ainda está mais baixo para implementar medidas que não exigem um grande esforço, como intensificar a vacinação com os reforços, com campanhas de comunicação e incluir todas crianças a partir de 6 meses de idade no público elegível para se imunizar — defende o epidemiologista Claudio Maierovitch, vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e médico sanitarista da Fiocruz de Brasília.
No Brasil, embora a Anvisa, assim como outros países, tenha dado o aval para o imunizante da Pfizer destinado a todos os bebês de 6 meses a crianças de 4 anos, o Ministério da Saúde indicou a aplicação apenas para aqueles com comorbidades. A decisão, no entanto, é recebida com críticas por especialistas.
— A mortalidade é menor em crianças, mas elas também são atingidas. E num momento de maior circulação do vírus as vacinas reduzem esse risco, então não há qualquer motivo para não vacinar. Essa recomendação é um consenso científico — diz Antônio da Silva, professor de epidemiologia do departamento de Saúde Pública da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
Outro ponto apontado pelos epidemiologistas são as novas vacinas bivalentes, versões adaptadas dos imunizantes originais que oferecem mais proteção por incluir tanto a cepa ancestral do vírus causador da Covid-19, descoberta em 2019, como as linhagens BA.1, BA.4 e BA.5 da Ômicron. Em países como Estados Unidos e Reino Unido, as aplicações já estão disponíveis.
Procurada pelo GLOBO, a Pfizer afirmou que as vacinas seguem em análise pela Anvisa e que o terceiro contrato de oferta de doses com o governo brasileiro, ainda vigente, permite a possibilidade de entrega das versões atualizadas, assim como para diferentes faixas etárias, a depender de solicitação por parte do Ministério da Saúde. Porém, destacou que “os detalhes sobre as negociações são objeto de compromissos de confidencialidade assumidos contratualmente entre a Pfizer e o Governo”.
Em nota, a Anvisa disse que foram solicitados pareceres de especialistas das sociedades médicas, recebidos recentemente, sobre as vacinas. “Os processos estão em fase final de análise pela área técnica, para posteriormente serem encaminhados à Diretoria da Agência para deliberação, considerando que se trata autorização de uso emergencial. Não há ainda data fixada de decisão”, afirma a agência.
Já o Ministério de Saúde não respondeu sobre a perspectiva de incorporação das novas vacinas à campanha de imunização contra a Covid-19. Em relação à aplicação para bebês a partir de 6 meses sem comorbidades, disse que, devido ao fim do decreto de emergência de saúde nacional, a ampliação será avaliada pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec). Sobre a baixa cobertura com a terceira dose, afirmou que “reforça constantemente, por meio de campanhas de comunicação e ações divulgadas em todos os canais oficiais da pasta, a importância da dose de reforço para garantir a máxima proteção contra o vírus”.
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Esquema da vacinação contra a Covid-19 no Brasil. — Foto: Arte O Globo
Brasil vive uma nova onda?
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Brasil vive uma nova onda?
Embora não haja uma definição exata do que caracteriza uma nova onda, os especialistas trabalham com uma tendência de aumento por ao menos 14 dias como um dos critérios. De forma oficial, o Brasil não chegou ainda a registrar uma elevação nos casos, com os últimos boletins do consórcio de veículos de imprensa indicando ou queda ou estabilidade.
O aumento na positividade pode despertar confusão, mas é porque a taxa é relativa à proporção do total de testes cujos resultados indicam a doença, e não ao número de diagnósticos em si. Por exemplo, num cenário hipotético em que 20 testes são feitos, porém 10 têm resultado positivo, a positividade é de 50%, metade do total. Se, no mês seguinte, forem realizados apenas 10 testes, e 8 indicando a doença, a taxa aumenta para 80%. No entanto, 8 casos é um número menor que os 10 do mês anterior.
Especialistas explicam que a positividade funciona como um alerta, especialmente no contexto em que um número muito baixo de pessoas buscam os testes. Com isso, o aumento na proporção dos positivos indica que o vírus está circulando, e aqueles indivíduos com sintomas que buscam o diagnóstico de fato têm uma probabilidade alta de estarem infectados.
Mas, ainda que os registros oficiais não apontem crescimento no número de infectados, já há uma leve subida sendo observada nos hospitais. Na última quinta-feira, por exemplo, o Estado de São Paulo registrou uma média móvel de 136 internações diárias, um aumento de 20% em relação a 14 dias antes, quando era de 113. O índice, porém, continua num dos menores patamares desde o início da pandemia, distante das 3,4 mil hospitalizações por dia registradas no pico, em março de 2021.
Os especialistas explicam que não há uma causa única para o vírus voltar a circular com mais intensidade no país. Alguns apontam a possibilidade da entrada de novas subvariantes da Ômicron com capacidade de reinfecção, uma vez que a cepa do coronavírus tem passado por mutações de forma muito mais acentuada e acelerada que as anteriores. A BQ.1, por exemplo, que já foi identificada em 65 países, recentemente foi detectada pela Fiocruz Amazônia.
— Se você olhar do final do ano passado para cá, toda vez que houve um aumento foi por uma introdução de uma outra subvariante do vírus. Em dezembro passado entrou a Ômicron BA.1, aumentou e caiu. Lá para maio, aumentou de novo com a entrada da Ômicron BA.4 e BA.5, mas depois caiu. É o que pode estar acontecendo agora, mas não temos certeza ainda — afirma Celso Granato, infectologista e diretor clínico do Grupo Fleury.
Na rede Dasa, de fato foi constatado um decréscimo na proporção de BA.5 no fim de outubro. De acordo com o último relatório do Instituto Todos Pela Saúde (ITPs), 93,5% dos casos no Brasil ainda são de BA.4 e BA.5, mas a prevalência vem diminuindo. No entanto, ainda não há como saber qual é a subvariante exata que está circulando por aqui.
— Começo de outubro, era BA.5, mas essa subida agora no final tem provavelmente uma derivada. Mas vamos ter essa confirmação apenas no meio de novembro, quando tivermos os resultados dos sequenciamentos — explica o virologista da Dasa, José Eduardo Levi.
Países europeus como França e Alemanha, que detectaram um crescimento das subvariantes BQ.1 e BQ.1.1, observaram uma nova onda de casos da doença a partir do início de setembro, mas já vivem uma queda de 60% e 54%, respectivamente, na média móvel de novos diagnósticos em comparação com duas semanas atrás.
Nos Estados Unidos, as duas sublinhagens representam 27% das infecções. Porém, embora o ritmo de novas contaminações tenha parado de cair, segue estável com um aumento de apenas 4,6% nos últimos 14 dias. A mesma tendência é observada nos indicadores de mortes e internações.
Já em Cingapura, houve uma onda significativa de casos entre o fim de setembro e meados de outubro, quando a média móvel subiu quatro vezes. O aumento foi acompanhado por uma onda também de mortes, mas em proporções menores que outros momentos da pandemia. Há cerca de duas semanas, porém, o país já registra uma queda acentuada dos novos diagnósticos e dos novos óbitos. Por lá, a causa foi atribuída a uma outra sublinhagem, a XBB.
— Por isso é precoce dizer que a pandemia acabou, a gente vai ter outros surtos, mas isso depende muito dessa dinâmica do surgimento de novas variantes versus a proteção das vacinas. Eu diria que o mais provável é que as vacinas com todas as doses continuem a proteger contra hospitalização e óbito. Então podem haver outras ondas com muita contaminação, mas sem as mortes que vimos em 2021 — defende o professor de epidemiologia da UFMA.
Para Naime Barbosa, da SBI, ainda não há comprovação de que essas novas sublinhagens de fato tenham capacidade de provocar aumentos significativos. Ele atribui o crescimento observado nos países europeus ao frio, por exemplo, o que poderia ser replicado para a situação do Brasil que tem cidades vivendo temperaturas mais amenas.
— Até agora nenhuma variante parece um perigo tão grande como foi o surgimento da primeira versão da Ômicron em dezembro do ano passado, ou pior ainda com o surgimento da Gama no final de 2020. O aumento do número de casos que houve na Europa é por causa do frio, as pessoas ficam mais aglomeradas. Algumas dessas subvariantes novas são de fato mais transmissíveis, mas isso não quer dizer que, com uma população altamente vacinada, leve a um aumento significativo na hospitalização e óbito — diz o infectologista.
Bianca Cata Preta, mestre em epidemiologia e pesquisadora do Centro Internacional de Equidade em Saúde da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), destaca ainda que a tendência com novas mutações do vírus é que ele se torne mais brando, e não o contrário.
— Pensando na evolução do vírus, é muito possível que ele sofra mutações para uma forma que não seja mais letal, até por uma estratégia de sobrevivência dele próprio, para não morrer junto com o hospedeiro. Então, embora possível, é pouco provável que surja uma variante que nos coloque de volta ao cenário de 2020 e 2021 — diz a especialista.
Futuro da pandemia
“Ainda estamos trabalhando muito nisso, mas a pandemia acabou”, declarou o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, no final de setembro. A fala foi seguida por opiniões divididas: enquanto parte concorda com a perspectiva do fim da crise sanitária, especialistas recebiam com cautela.
— Declarar o fim da pandemia é uma prerrogativa apenas da OMS, e por enquanto ela considera que continua sendo uma emergência global, embora se vislumbre no horizonte uma expectativa de que chegue ao fim — lembra Bianca Cata Preta.
Em reunião no final de outubro, a organização manteve o novo coronavírus como emergência internacional de saúde. “Embora seja óbvio que a situação global tenha melhorado desde que a pandemia começou, o vírus continua a sofrer mutações e a incerteza e muitos riscos permanecem”, disse na época o diretor-geral da organização, Tedros Adhanom Ghebreyesus.
Além da vacinação, os especialistas ouvidos pelo GLOBO destacam que é necessário ampliar o acesso aos antivírais disponíveis hoje para reduzir ainda mais as internações e óbitos do grupo de risco e chegar mais perto do fim da emergência sanitária. É o caso do Paxlovid, medicamento produzido pela farmacêutica Pfizer que reduziu em mais de 80% o risco de hospitalização nos estudos clínicos.
No Brasil, ele foi incorporado ao Sistema Único de Saúde (SUS) há meses, porém apenas recentemente o país recebeu a primeira remessa com 50 mil unidades do medicamento. Para o vice-presidente da Abrasco, o acesso ainda é muito limitado.
— Os medicamentos praticamente não estão disponíveis. Embora do ponto de vista formal o ministério tenha incorporado, os serviços de saúde não conseguem acesso para tratar as pessoas com maior risco, o que ajudaria a reduzir as internações e óbitos. Não parece ser uma prioridade do governo brasileiro, e tinha que ser uma emergência, não tratada como rotina — diz o epidemiologista
Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que há mais 50 mil unidades do antiviral encomendadas que estão previstas para serem entregues no início de 2023, de acordo com a previsão da Pfizer.
*O Globo
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